domingo, julho 09, 2006

Namora: entre a simpatia e o tédio

Leio vários livros de Fernando Namora e fico com uma vontade enorme de doar todo o meu sangue a quem dele precisa. Mas também eu preciso do meu sangue. Sou muito egoísta. Namora escreve elegias à União Soviética, sonha com o Estado Social dos países nórdicos, fala com uma bondade extrema. E eu sensibilizo-me. Mas sou egoísta. Não posso gostar de regimes que lutavam pela igualdade (inexistente enquanto conceito aplicável ao mundo dos vivos, esta palavra). Não posso gostar de regimes que partiam do operariado para os senhores do partido. Não posso. E, por isso, não posso concordar com nada do que aparece nos livros do homem que morreu a praticar o bem. Contudo, tem de se perceber o contexto da época do homem que escreveu coisas como Os Adoradores do Sol. Esse contexto era o neo-realismo, era um contexto, mais que literário, cultural, no qual se escrevia com uma mão pouco desprendida, no qual o amor aos heróis que lutaram pelo povo se impunha à barbárie corrupta dos tempos modernos. A América nunca poderia ser adorada por intelectuais apegados ao campesinato. É muito mais fácil nutrir carinho por sociedades onde a população vive toda pobre mas igual, do que por sociedades repletas de desigualdades e de oportunidade de ascensão e de queda por parte daqueles que procuram viver de dinheiro (perceba-se que o dinheiro, neste momento, é tudo, inclusive a literatura).

Fernando Namora não é um homem de difícil compreensão. Apesar de escrever bem, muito bem, este intelectual, que também foi médico e filantropo, não entusiasma. Os livros de Namora são de entediar as moscas mais atarantadas. Exceptuando O Rio Triste ou Cidade Solitária, pouco de interessante há a retirar da obra de Namora. Temos os livros de viagens propagandísticos que, vá-se lá saber porquê, Namora apelidou de cadernos de um escritor, que são das coisas mais aborrecidas que tive oportunidade de ler. Temos narrativas literário-sociológicas ( Estamos no Vento, por exemplo), temos, enfim, escritos que não satisfazem o olhar, ao mesmo tempo aguçado e desprevenido, do leitor que queira conhecer a literatura portuguesa da segunda metade do século XX. Refira-se, no entanto, que a literatura portuguesa, seja de que século for, não costuma ser conhecida pela sua qualidade elevada. Há até quem fale de «Portugalzinho» quando aparece um novo escritor ou colunista de mangas arregaçadas e pronto a escandalizar as mentes provinciais da paróquia nacional com os seus comentários acutilantes, com os seus rasgos de estilo geniais, do género «amei, sofri». No fundo, Namora não tem nada de novo. É pouco original. Traz pouco ao mundo da literatura. Não obstante tudo isso, eu simpatizo com ele.

[Paulo Ferreira]

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