segunda-feira, julho 16, 2007
Brincar
Trinta Anos de Democracia: E Depois, Pronto parece ser um livro a brincar. Clara Pinto Correia, a autora, pelo seu estilo descontraído e modernaço, também parece levar a vida a brincar. Aprecio isso. Mas claro que não é bem assim. Repare-se: a senhora estudou nos Estados Unidos, tem vida académica, produz (muita) ficção, é (ou foi) cronista, investiga, enfim, tem uma vida intelectual que leva a que não se possa pensar que a brincadeira seja predominante na sua vida. E não é. Trinta Anos de Democracia: E Depois, Pronto, um conjunto de pequenos «sermões» realizados com o objectivo de dizer mal de tudo o que se passa de errado no país, é um livro com muita piada. Embora não deixe de ter o seu carácter sério. Toda a crítica informada tem a sua parte séria. Pois bem, Clara Pinto Correia, dentro da sua seriedade, brinca connosco, com a nossa mediocridade, com o nosso provincianismo. Mesmo que me quisesse armar aqui em defensor da moral e dos bons costumes, a verdade é que não posso deixar de me render às evidências. Clara Pinto Correia tem muita razão naquilo que diz. Muito por dizer mal. É bom dizer mal, nem que seja sem razões para isso.
No caso de Trinta Anos de Democracia: E Depois, Pronto, não se pode dizer que a autora diga mal só por dizer. Não. Diz mal num estilo simples e corriqueiro. Diz mal daquilo que se fez e não se fez durante o tempo que passou após o 25 de Abril. Conclusão: nada. Não se fez nada. É bom pensar-se nisso com um sorriso nos lábios. É de quem esteve no estrangeiro e regressou a Portugal. Sabe-se que nada vai mudar. Nem é, aliás, preciso sair do país. Basta ler livros. Portugal não dá. É intragável. Mandem-me embora. Eu saio. Quando tiver dinheiro. Mas ponho de lado a minha própria opinião e dou ênfase às palavras da autora: «Ouvi uma vez o frei Bento Domingues defender a tese de que nós já fizemos o que tínhamos a fazer. Já fizemos os Descobrimentos e já foi uma grande coisa. Agora devíamos poder viver todos descansados em sabática perpétua com uma pensão europeia, como a que o D. Sebastião deu ao Camões.» Bem se vê. Brinca-se, falando sério.
Ser do contra. É mau ser do contra sem razões para isso. Quer dizer, não é mau. É bom. É bom dizer mal. Já disse. Repito. É bom dizer mal. Se temos uma aurea mediocritas, como nos diz Clara Pinto Correia, é bom dizer mal. De nós próprios. «Sempre é mais divertido estar a perder batalhas mas ao menos estar a lutar do que estar, pura e simplesmente, à espera do fim.»
Ah, o livro foi publicado pela Relógio D'Água e lê-se numa noite em que a vontade de dormir não venha.
[Paulo Ferreira]
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