
Federico Rampini é o correspondente do La Repubblica em Pequim. Ou seja, um enviado italiano – ocidental – à China. É uma visão ocidental, por vezes apaixonada ou fascinada sobre o futuro da China, assim como sobre o seu passado, embora pejada de críticas à sociedade chinesa, nomeadamente ao que depende do controle do poder. O «período» (ainda que virtual) foco das atenções do jornalista é inaugurado pelas manifestações e pelas repressões de 1989, marcadas pelo incidente da praça Tiananmen, uma espécie de marco histórico a partir do qual Rampini avalia uma China em constante mudança.
Em relação a esses incidentes em Tiananmen, o jornalista italiano salienta a acção de Deng Xiaopeng que, anteriormente visto como um homem mais sensato, mais «pragmático», revela nesse dia ao Ocidente a verdadeira natureza do seu governo, abrindo as hostilidades contra os manifestantes. É um governo de homens imprevisíveis, absolutamente reverentes à autoridade central, cuja única crítica ao poder é aquela dirigida aos poderes locais, aos hipotéticos «burocratas corruptos» que grassam nas províncias e nos sítios onde o poder do governo central não chega. E, de facto, essa corrupção existe, e abusa dos chineses – camponeses ou não – que, muitas vezes, perdem as suas casas sem nenhuma retribuição ou compensação. Burocratas que recebem «luvas» de grandes multinacionais, dirigentes de faculdades que pedem subornos aos pais dos novos alunos, eliminação da oposição através de detenções e assassinatos.
Mas não se pense que tudo isto se faz totalmente à margem do poder central. É, aliás, a própria natureza do comunismo chinês (às vezes penso se isto será, ainda, comunismo) que leva a que os abusos tenham lugar. E é a própria sociedade chinesa que, ao invés do que se pensa, tem tudo menos pureza. Muito pelo contrário, há tiroteios na escolas, tal como na «terra da perdição» dos Estados Unidos da América. Há, mais importante que tudo, uma leviandade na aplicação de penas pesadíssimas, sejam elas dezenas de anos de prisão por oposição política e cívica ou a pena capital aplicada às mãos cheias. Leia-se, por exemplo, este excerto:
«Todos os anos, neste país são fuziladas ou eliminadas por injecção letal pelo menos 10.000 pessoas: um número que ultrapassa em cinco vezes as condenações à morte executadas em todo o resto do mundo, Estados Unidos incluídos.
Não obstante o mal-estar dos intelectuais e dalguns dirigentes mais iluminados, a pena de morte conta ainda com um sólido futuro na China.»
A China não se resume a um país dividido entre as exportações chinesas, as multinacionais nacionais e estrangeiras e o Partido único. Não, O Século Chinês mostra-nos uma China cheia de contradições, cheia de promessas e de ameaças, cheia de poderes autoritários mas também de inúmeros contra-poderes amordaçados espalhados pela sociedade. O livro acaba com uma «balança» entre os poderes emergentes da China e da Índia, competidores que podem resultar no melhor ou, se faltar a confiança em si mesmos, no pior.