sábado, abril 29, 2006

Ágrafo 2

Tenho vinte e um anos e ainda não cheguei ao ponto, que é como quem diz «até agora nada». Será que, caso eu, à semelhança de Hemingway, me pusesse a observar o instrumento fálico de um qualquer Fitzgerald sem me tornar homossexual, teria mais hipóteses de me tornar adulto?

[Paulo Ferreira]

Ágrafo

Tenho vinte e um anos e até agora nada, só este vazio enorme, quase do tamanho da minha ignorância.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, abril 28, 2006

This way up

Num dia particularmente inspirador, decidi enviar uma «carta do leitor» para um jornal de renome. Dias depois, ao saber que as minhas ideias haviam sido publicadas, pensei que me esperava um futuro auspicioso, no qual trataria a política por tu e etc. Porém, a partir daquele dia, a única coisa que me esperou foi a minha tragédia pessoal de ter que conviver sozinho comigo próprio.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, abril 27, 2006

I had a dream

Há dias, tive este sonho em que escrevia um livro acerca do quanto eu era medíocre, um romance entusiástico sempre rodando à volta da minha própria incapacidade de fazer seja o que for.
Não sou um homem supersticioso mas, por influência de pessoas mais experientes, sempre gosto de tomar certos sinais por garantidos.

[João Carlos Silva]

quarta-feira, abril 26, 2006

Os três pratos



Quando o camponês decobriu que sua mulher o traiu, obrigou-a a preparar a mesa para três. E durante o resto da vida comeram contemplando, diante deles, o terceiro prato vazio.

Tonino Guerra, Histórias Para Uma Noite de Calmaria

[Paulo Ferreira]

Diálogo surdo

- Loucura (PENSAMENTO).
- Diz?
- Desculpa?
- Não disseste isso.
- Como?
- Pensei na palavra loucura e acabo de me aperceber de que somos dois loucos.
- Importas-te de repetir?
- De todo. Estava a dizer-te que gosto muito das ondas do mar em Janeiro.
- Não percebo.
- Somos loucos.
- Não te entendo.
- Como?
- Diz?
- Hã?
- Não entendo nada do que me dizes.
- E se eu te dissesse que tenho um telefone bonito que nada quer de mim, entender-me-ias?
- Se a metáfora fosse a linguagem da demência, perceber-te-ia perfeitamente.
- Se me percebes, que demência haverá na metáfora?
- Deixa-me ouvir o barulho das luzes sossegado, antes que a aurora nos apague deste sonho.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, abril 25, 2006

Querido diário:

No outro dia, ao passar o dedo indicador da mão esquerda por uma mesa, fiquei submerso em pó. Foi aí que descobri que queria partir para a garimpa.

[Paulo Ferreira]

A ler:

A minha conversa com Agostinho da Silva, por André Abrantes Amaral, n' O Observador.

[Paulo Ferreira]

Hipotética história da sobrevivência

A ideia de desistir da vida passa pela cabeça do nadador que nada, nada, nada, e quase se afoga. Mas, como a intempérie é grande e a «alma não é pequena», o pobre nadador, que se encontra no meio de um mar agitado, não deixa de dar ao braço.

[Paulo Ferreira]

Tudo e nada

O amor, ou a ausência dele, foi tudo o que ela tivera na vida. No entanto, ao ter tudo, ela não tinha nada, já que o amor, sobrepondo-se a tudo, não se sobrepõe a nada. E, uma vida que, ao mesmo tempo, seja tudo e nada, é uma vida de merda.

[Paulo Ferreira]

História para dois pénis e um urinol

Numa casa de banho pública, um homem olha para o pénis de um outro homem, que, por sua vez, urina num urinol sem se dar conta de que outro homem observa o seu instrumento sexual com uma fome do tamanho do Amazonas. Ou seja, um homem urina num urinol sem se aperceber dos olhares atrevidos de um sujeito que, pelo seu ar aristocrático, só pode ser maricas e, por conseguinte, capaz das maiores loucuras.

Toma conta de ti, meu caro homem que urina, antes que tomem conta de ti.

[Paulo Ferreira]

«Mais não!»

Dois antigos amantes, que não se viam havia muito tempo, encontraram-se, por acaso, numa rua de uma grande cidade. E beijaram-se. E praticaram o mais absurdo de todos os gestos: o amor. E fizeram sexo. E fornicaram até mais não.

«Mais não!», disse, um dia, um dos dois amantes.

E assim acabou a história dos amores e desamores de dois seres que não sabiam que tudo o que é bom se acaba.

[Paulo Ferreira]

Paradoxo

Jeremias era paradoxal porque adormecia a pensar na vida e acordava a pensar na morte.

[Paulo Ferreira]

sábado, abril 22, 2006

sexta-feira, abril 21, 2006

Parábola do erudito

Um homem leu um best-seller e não mais conseguiu libertar-se. Furioso consigo mesmo, atirou-se de um primeiro andar.

[João Carlos Silva]

Fábulas

Geralmente, nos cafés, há sempre um homem característico (normalmente de físico semelhante ao de Joe Pesci) que conta histórias maravilhosas, fábulas de La Fontaine sui generis, em que o narrador, lui même, se envolve sozinho numa rixa de discoteca ou de arraial contra um número considerável de jovens praticantes de artes marciais e acaba em casa com duas mulheres de seios voluptuosíssimos que nunca deixam uma frase para a posteridade ou para os diálogos da história do narrador. Mas isto passa-se nos cafés. Há não muito tempo, percebi que a história se conta de forma diferente nas tabernas quando, do fundo da sala, ouvi alguém repetir com o narrador a aventura que este atalhou nesta palavra: «mamada».

[João Carlos Silva]

Guardar-se

Escreve João Céu e Silva na : «Todos os escritores que se prezem têm um baú com inéditos para serem publicados após a sua morte». Presumo que a maior parte dos grandes escritores escreva, com regularidade, coisas que sejam destinadas exclusivamente para a gaveta (e não para a conta bancária). De qualquer forma, se querem um exemplo de alguém que muito escreve e que nada publica, aqui me têm. Estou-me a guardar para a morte.

[Paulo Ferreira]

Literatura portátil

Foi ao passar pela Ginginha da Estefânia que um homem, entre ameaços de «lambada» à mulher e pontapés no rabo aos filhos, me disse: «Quem escorrega também cai». Nunca mais me esqueci.

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas


Enrique Vila-Matas

[Paulo Ferreira]

Sociedade de corte

Em Sentados na Relva, Fernando Namora descreve um encontro internacional de escritores que teve lugar em Lahti, na Finlândia. Ao que parece, nesses encontros, os escritores sentavam-se mesmo na relva, ao fresquinho, para melhor conversarem sobre os grandes humanistas do século XX (Mao e Stalin como senhores de referência).

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, abril 20, 2006

Uma mosca

Ontem, ao tentar aliviar a comichão da minha testa com os dedos, esborrachei uma mosca. E, como muito tempo demorei a decidir-me se lavaria ou não a testa ensanguentada, fiquei com a inteligência do insecto que estropiei.

«Zuummm....», faço eu agora.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, abril 19, 2006

Fragmentação

Em Praga, uma mulher começara a ler os escritos do seu vizinho. Rapidamente se achou confusa e chamou o autor das parábolas, Franz K.: «rapazinho, tenho uma recomendação: risque-se tudo. Talvez o Franz se deva dedicar mais a encontrar um desfecho lógico para os textos que escreve, em vez de começar novos. Deve, pelo menos, fazê-lo enquanto é tempo. Um dia, ainda o Franz morre e os textos vão a meio».
E riram-se perdidamente desta hipótese.

[João Carlos Silva]

clap clap clap

«O que arde cura, o que aperta segura.»

- Teixeira dos Santos, Ministro das Finanças

[João Carlos Silva]

sábado, abril 15, 2006

Reconhecer trabalho

Jodie Foster

[João Carlos Silva]

Aprendizagem

Deixar tudo, aprender a deixar tudo, tornará a morte mais fácil?
Ela virá de uma maneira ou de outra. No último momento,
a mão ainda faz um gesto de agarrar o que se escapa,
mas, mole ou crispada, cairá inerte. Não
aprendeu nada, por muito que tenhamos aprendido.


- Jorge de Sena, Visão Perpétua

[João Carlos Silva]

quinta-feira, abril 13, 2006

A fala perpétua



Considero que a faculdade da fala, a par do direito ao voto, é uma das coisas mais sobrevalorizadas que temos entre nós. Aliás, tenho mesmo por garantido que a fala é um dos elementos verdadeiramente supérfluos do homem. Senão repare-se: quase toda a gente comunica por gestos quando está a dizer algo. Com ou sem fala, a representação mímica seria a mesma, apenas mais vigorosa. Mas, como dizia, tal como o voto, a fala é realmente sobrevalorizada. É encarada como qualquer coisa de: «este faz, aquele faz... então eu também vou fazer, mas sou parvo ou quê?», e é aí que se dão os disparates. Votar por votar, ou falar por falar, apesar de serem custos louváveis da liberdade, normalmente não trazem nada de bom.

Repare-se que a maioria das coisas boas da vida se fazem sem falar. E aqui, para evitar perder a audência católica, devo explicar melhor. Poder-se-á contrapor: «e estar com os amigos»? Não é uma coisa boa da vida na qual se deve falar?» Não necessariamente. Mas esta afirmação, entre homens, tem mais eco do que entre mulheres. Pode-se, até, verificar dois vértices opostos do espectro dos «modos de vida»: de um lado, os homens que fumem e bebem enquanto vão para o café ler em conjunto; do outro, os homens que fumam e bebem na discoteca enquanto dançam como se não houvesse amanhã. Em nenhum dos encontros se encontra a necessidade da fala.

Lembro-me de um homem que, numa tasca, sempre que se embebedava, insistia numa promessa que se repetia interminavelmente em todos os dias de bebedeira. «Já não falo mais!», gritava o pescador a que chamavam «o Buda». Fitava um ponto invisível, que se prolongava no infinito espaço em que os olhos de vinho se perdiam. «Mais não digo», gritava, e fazia os outros saberem, em especial os clientes novos, que havia desistido da fala. Estava cansado de dizer fosse o que fosse, já que nunca teria um impacto realmente interessante no mundo em que vivia. «Para dizer merda, mais vale não dizer nada», concordavam outras vítimas da embriaguez, acenando com uma cabeça um pouco mais sóbria. Os clientes novos concordavam com «o Buda», e tentavam seguir o exemplo - talvez aí tenha nascido o acto de beber sozinho e calado. Mas aqueles clientes mais antigos, que conheciam os desfechos das histórias, sabiam melhor. No dia seguinte já lá estaria «o Buda», para uma nova caminhada para a embriaguez: «hoje vou beber e depois calo-me para sempre!». E aplaudiam todos, urrando. «O Buda» morreu há algum tempo. Nunca se conseguiu calar.

[João Carlos Silva]

terça-feira, abril 11, 2006

Mi dispiace



Devo dizer que eu até gosto de Berlusconi. Sempre simpatizei com o senhor. O que talvez se explique pelo facto de a península de Itália ficar muito longe de Portugal.

[João Carlos Silva]

segunda-feira, abril 10, 2006

A arte da democracia

Eu gosto de ver o nosso Primeiro-Ministro a trabalhar. Devo confessá-lo: gosto mesmo. Não se trata do caso de ficar extremamente emocionado com a visão do senhor engenheiro José Sócrates. Nem mesmo de um caso de surpreendente optimismo. Não. O que eu admiro mesmo é a forma como divide a sua governação em duas: o enaltecimento do que já fez e o enaltecimento do que quer fazer. Talvez seja um problema partidário, visto que o próprio Jorge Coelho também, há tempos, classificava os «sinais» do governo socialista em dois tipos: os sinais positivos e os sinais que ainda não são positivos.

A acção da propaganda, no governo de Sócrates, funciona, pois, de uma forma perfeita. Já houve quem a comparasse à de Blair. Eu penso que é ainda mais eficaz, pois Blair não teve de enfrentar o sempre difícil obstáculo de uma oposição sexy, pelo menos não antes de David Cameron. Não, Sócrates tem um mecanismo bem mais forte no nosso país. Para além do facto de este ser um país muito pequeno onde as televisões não têm assim tanta força efectiva, sendo possível a um governo impor aos meios de comunicação a sua própria agenda. Só assim se explica o caso do cardeal Freitas do Amaral e a forma como Sócrates sonegou todos os infelizes episódios que pareciam suceder-se em catadupa, e ao vivo, envolvendo o candidato ao Nobel e Ministro dos Negócios Estrangeiros português. Num momento, aliávamo-nos aos bons regimes deste Mundo, no seguinte apresentava-se, à pressa, a reforma dos serviços de administração. Com a magnífica característica de já ser, nas palavras da governo, um «projecto eficaz» quando ainda não é mais do que isso: um projecto. É preciso ter arte.

[João Carlos Silva]

sexta-feira, abril 07, 2006

autobiografia 7

Em Hannover dos anos trinta, havia um barbeiro pouco conformado. Não gostava do regime nazi. Acabou por ser um dos primeiros conspiradores populares contra Hitler. O problema é que o nome de código que escolheu acabou por o denunciar e levar à forca: «Acolhe-Judeus». Afinal, era apenas um barbeiro.

[João Carlos Silva]

autobiografia 6

Repito muitas vezes o meu nome ao espelho, até que o nome funcione. Um dia será o nome de um homem, espero eu.

[João Carlos Silva]

autobiografia 5

Querido blog,

Tenho reflectido sobre a pequenez do Homem perante a imensidão do universo infinito. Acabei há pouco e lanchei.

[João Carlos Silva]

Pescador

Um pescador queria pescar tantos peixes que, um dia, se atirou ao mar vestido de alga.

[Paulo Ferreira]

Querido diário:

Tenho pêlos a crescerem-me no nariz.

[Paulo Ferreira]

Poeta genial 3

Ele era um poeta tão interessado pelo sofrimento dos pobres que, um dia, começou a fazer poemas de cabeça. «Escrever no papel é uma hipocrisia!», dizia o poeta.

[Paulo Ferreira]

Miúdo

Um miúdo fez uma fogueira tão grande e tão esplendorosa que, durante sete dias, os povos do mundo se juntaram para rezar.

[Paulo Ferreira]

Poeta genial 2

Por cada vez que escrevia um verso, o poeta genial deixava escorrer uma lágrima de sangue pela sua face. Por cada soneto que saía das mãos deste brilhante artista, uma hemorragia se dava a mostrar.

[Paulo Ferreira]

Poeta genial

Um poeta genial escrevia versos rimados mas não conseguia transportar o animalesco mundo da dor para dentro dos seus escritos. Morreu com uma úlcera, o poeta, por não conseguir sofrer.

[Paulo Ferreira]

O neo-realismo de uniforme vestido

«O artista (frase velha) não pode vestir uniforme. O protesto, todavia, deve estar atento a um risco: por um lado, a gratuitidade, por outro, o estímulo a que a sacralização mude apenas de rosto e de objecto.»

- Fernando Namora, Encontros


Tornou-se costume dizer-se que, para um escritor neo-realista, a «causa» prevalece sobre a «forma», que o «conteúdo» prevalece sobre a «estética». Ora, admitindo que autores neo-realistas como Fernando Namora (1919-1989) possam ter sempre dado primazia a algumas das mensagens políticas e sociais vindas, muitas vezes, de ambientes tão propícios ao ócio e ao lazer como a saudosa União Soviética, a verdade é que não deixa de me incomodar esta visão um tanto simplista. Leiam-se, por exemplo, obras como Cidade Solitária, Resposta a Matilde ou O Rio Triste (todas de Namora). Nestas obras que referi, será muito difícil encontrar as temáticas mais saboreadas pelas penas dos escribas da crítica social. Além disso, quem souber ler, reparará que todos estes livros são muito bem escritos. Reconheço, no entanto, a importância que os neo-realistas deram às suas lucubrações intelectuais viradas para o Leste Europeu. Reconheço que muitos dos sonhos ideológicos a la «Grande Salto em Frente» (Mao Tse-Tung) faziam parte do imaginário neo-realista. Reconheço que o ambiente salazarista afectava profundamente o espírito da conhecida geração de 40. O problema é que também os neo-realistas reconheciam que trabalhavam tendo em vista certas causas políticas indispensáveis (causas essas sempre viradas para uma esquerda que, hoje, se englobaria dentro do esquema alter-mundo existente dentro de um Bloco de Esquerda). Por conseguinte, dizer-se uma verdade que já todos sabem, como se se quisesse desmistificar algo que não sente necessidade de o ser, torna-se absurdo. Assim, não me incomoda o facto de, nos nossos dias, se andar a dizer que o neo-realismo dava grande importância a causas sociais e políticas, por exemplo, de contestação. Incomoda-me mais o facto de se acreditar que a geração neo-realista não dava importância ao modo de fazer a escrita. Escrevendo com conhecimente de causa, Fernando Namora foi um grande escritor. Vergílio Ferreira, que começou por abordar temáticas neo-realistas, foi outro grande escritor (aliás, o meu preferido).


[Paulo Ferreira]

quinta-feira, abril 06, 2006

Aniversário

O ROYALE WITH CHEESE, blog para o qual já contribuí com um texto miserável, fez dois anos esta semana. Parabéns.

[Paulo Ferreira]

domingo, abril 02, 2006

Esperanças

Decididamente, o bichinho de estimação adequado a um homem pobre não é uma corista, mas ainda não perdi a esperança de vir a ter uma.

-Groucho Marx, Memórias de um Pinga-Amor

[João Carlos Silva]

O estado das coisas


Aljubarrota

[João Carlos Silva]