segunda-feira, abril 10, 2006

A arte da democracia

Eu gosto de ver o nosso Primeiro-Ministro a trabalhar. Devo confessá-lo: gosto mesmo. Não se trata do caso de ficar extremamente emocionado com a visão do senhor engenheiro José Sócrates. Nem mesmo de um caso de surpreendente optimismo. Não. O que eu admiro mesmo é a forma como divide a sua governação em duas: o enaltecimento do que já fez e o enaltecimento do que quer fazer. Talvez seja um problema partidário, visto que o próprio Jorge Coelho também, há tempos, classificava os «sinais» do governo socialista em dois tipos: os sinais positivos e os sinais que ainda não são positivos.

A acção da propaganda, no governo de Sócrates, funciona, pois, de uma forma perfeita. Já houve quem a comparasse à de Blair. Eu penso que é ainda mais eficaz, pois Blair não teve de enfrentar o sempre difícil obstáculo de uma oposição sexy, pelo menos não antes de David Cameron. Não, Sócrates tem um mecanismo bem mais forte no nosso país. Para além do facto de este ser um país muito pequeno onde as televisões não têm assim tanta força efectiva, sendo possível a um governo impor aos meios de comunicação a sua própria agenda. Só assim se explica o caso do cardeal Freitas do Amaral e a forma como Sócrates sonegou todos os infelizes episódios que pareciam suceder-se em catadupa, e ao vivo, envolvendo o candidato ao Nobel e Ministro dos Negócios Estrangeiros português. Num momento, aliávamo-nos aos bons regimes deste Mundo, no seguinte apresentava-se, à pressa, a reforma dos serviços de administração. Com a magnífica característica de já ser, nas palavras da governo, um «projecto eficaz» quando ainda não é mais do que isso: um projecto. É preciso ter arte.

[João Carlos Silva]

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