domingo, maio 10, 2009

Appaloosa



Já não se fazem westerns assim. Em todos os sentidos. Isto é, não só já não se fazem westerns realmente bons - aqueles que davam primazia à qualidade do argumento, ao simbolismo e aos planos de câmara, em vez dos efeitos especiais (um verdadeiro assassínio do género) -, como já não se pode nem deve dar seguimento aos valores de outrora. Esses valores incluíam, sem dúvida, uma certa cultura «machista» onde «os homens não choravam» e as mulheres da cidade se dividiam entre senhoras e prostitutas, em que as últimas tinham participação activa na vida dos homens, sem qualquer escândalo. O politicamente correcto, de certa forma, matou a reprodução do western e, no fundo, dos irreversíveis valores do passado.

Mas Ed Harris conseguiu recuperar esse western em Appaloosa. Recupera os cowboys que ficaram para lá do western-spaghetti: John Wayne, Dean Martin, Jimmy Stewart, Steve McQueen e tantos outros. Recupera os heróis silenciosos e conformados, que não se preocupam com o gáudio das audiências mas que reservam sempre uma surpresa enérgica para um momento-chave da trama. Recupera a coragem exagerada e simbólica dos heróis e anti-heróis, sem olhar à necessidade de humanizar as personagens principais - Virgil Cole (Ed Harris) não tem medo de morrer e de levar um tiro.

Só assim seria possível referir, a dada altura, que Allison (a irritante Renée Zellwegger) procurará sempre o «beast stallion», ou seja, o macho dominante, independentemente dos sentimentos de qualquer uma das partes envolvidas. Ou seja, a fêmea procura o macho que vence, o macho que não se deixa pisar. Coisas do século XIX que fazem arrepiar o século XXI urbano.

Mas também há espaço para (tal como fez Clint Eastwood em Gran Torino) uma auto-ironia. Não do actor ou da sua personagem, mas do género. Por exemplo, Allison French oscila entre a dama de comportamento social elevado (procurando uma vida estável) e a mulher volúvel que não resiste aos impulsos básicos (e a perseguir o tal «beast stallion»). O vilão «muito mau» (interpretação exemplar de Jeremy Irons) que, para fugir aos seus perseguidores - que, mais do que a Lei ou a Justiça, representam a Moral -, se torna legítimo, se torna um homem de negócios sem pouco por onde pegar, e que dá mais a ganhar do que a perder aos homens influentes da cidade, numa hipotética alusão ao «vilão moderno» e ao mundo obsoleto dos justiceiros do Velho Oeste. E, algures dentro do filme, uma frase mágica de Virgil Cole quando é atingido, juntamente com o seu parceiro, num tiroteio, que revela que os heróis são, afinal, vulneráveis: «Everyone could shoot».

Embora longe de ser um filme perfeito, de possivelmente não corresponder às expectativas, e de ter um ritmo que dificilmente irá apelar a todos os espectadores, Appaloosa é um exercício magistral de um realizador - Ed Harris - que, mais do que ser um bom actor e um realizador bastante competente, é alguém que gosta muito de cinema, gosta muito dos clássicos e gosta muito de westerns. E isso, tire-se-lhe o chapéu, vê-se bem no filme.

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