Hoje, se pegarmos um avião da Espanha para Calcutá e aterrisarmos no Caribe, só há duas possibilidades: ou o piloto bebeu, ou sequestraram o avião. Claro, você também pode estar no avião errado. Chance remotíssima, os embarques são controlados electronicamente.
No entanto, foi exactamente isto que aconteceu a Cristóvão Colombo (...).
Angela Dutra de Menezes, O Português que nos Pariu
domingo, dezembro 30, 2007
A Dúvida
O cenário: uma escola católica no Bronx, Nova Iorque - no ano de 1964 -, depara-se com o dilema da inocência ou culpa de um padre, acusado de assediar sexualmente um rapaz de doze anos. Ir ver A Dúvida ao Teatro Maria Matos teve logo o sucesso inicial de me levar ao teatro, coisa que, por maldade ou cautela, evito. Talvez seja preconceito não ir mais vezes. Talvez seja ignorância. Ou talvez eu apenas não acredite na qualidade geral do nosso teatro. Mas A Dúvida, de John Patrick Shanley, teve o dom de me colocar em permanente dúvida (perdoem-me o trocadilho). Ver Diogo Infante - um dos melhores actores portugueses vivos - e Eunice Muñoz - carisma impermeável à idade - juntos no mesmo palco deixa-nos de boca aberta e sem noção do tempo. O teatro pode-nos deixar agarrados horas e horas e horas seguidas, sem sequer pensar em levantar o rabo do assento. Aprendi isso hoje, com a peça de Shanley. E aprendi que o cinema não deve monopolizar a minha atenção. Há espaço para eu admirar o palco.
quinta-feira, dezembro 27, 2007
Zelig
Zelig é um filme «muito cá de casa», e revi-o há dias com a maior das euforias. Tem o humor mais subtil de Woody Allen e uma viagem de reflexão/desafio/respeito/gozo à personalidade humana e à psicanálise. Ainda por cima tem figuras como Saul Bellow ou Bruno Betelheim a participarem no filme da forma mais convincente possível. É um dos grandes filmes do século XX e sobre o século XX.
Menezes isn´t there
Quando Marques Mendes estava à frente do PSD, fazia-se oposição na Assembleia. As vozes logo se levantaram contra o homem que, para além de ser «muito piquenino para ir a algum lado», não fazia «oposição como deve ser». Quis-se Luís Filipe Menezes, que prometia dar uma nova cara à oposição. Dizia-se que ele iria «abanar o barco». O próprio Menezes dizia que iria trazer uma mudança radical «já». E trouxe: a oposição do PSD praticamente desintegrou-se. Afinal, tinha razão quando falava da rapidez do seu trabalho. É até, na verdade, um recorde memorável: nunca um político desapareceu tão depressa.
Holanda
A Holanda é um país que não inspira amantes. Todos os homens usam chapéu e cumprimentam em protocolo translúcido -, as crianças fumam cigarrilhas, todos talhos são floridos em contraste português,- se um carniceiro em Portugal pusesse flores nas montras do talho passava a ser considerado como pederasta oficialmente reconhecido pelo grémio.
Ruben A., Páginas I
Ruben A., Páginas I
segunda-feira, dezembro 24, 2007
Na Consoada, acampar no Cambodja
Antes do Pai Natal chegar, ainda há tempo para exprimir aqui a minha gratidão para com Rui Ramos por nos ter trazido as palavras sábias de Luís Filipe Menezes. É de louvar, sobretudo, a coragem e paciência de Rui Ramos ao mergulhar no livro Coragem de Mudar, da autoria da referida personagem política. Por exemplo, esta passagem do artigo matou-me a sobriedade cinzenta de Consoada: «O livro de Menezes inclui uma entrevista especialmente reveladora sobre a sua pessoa. Não me refiro à pessoa privada, que não nos deve interessar, mas à sua pessoa pública, ou mais exactamente: à imagem que ele gostaria de dar de si próprio. Eis o que descobrimos: "sou capaz de fazer dois mil quilómetros num fim-de-semana para ver uma exposição". Ou isto: o "cosmopolitismo para mim é navegar ao luar nas Marquesas, é entrar no Triângulo Dourado e acampar no norte do Cambodja" (p. 21)». Ou então, também podemos reflectir neste nostálgico devaneio de Menezes: «"Há dois anos atrás, algures no deserto de Omã, deitado ao luar a olhar para as estrelas, tive tanta pena que estas pseudo-elites liderantes do meu Partido, cujo único deserto a que chegaram nunca está a mais de dez quilómetros da sua casa, que nunca tiveram frio à noite no deserto, que nunca tiveram medo de um tubarão..." (p. 44)».
Muito bom. Apenas ultrapassado em qualidade pela resposta do líder do PSD, em entrevista no Expresso, quando lhe perguntam o que achou deste artigo de Rui Ramos: «mas esse senhor não terá filhos?». Só por isto, Menezes já merecia o meu voto de confiança. Toda a gente gosta de comediantes, e ninguém leva a mal a parvoíce. Agora começar a fazer política a sério? Isso é que eu nunca lhe perdoaria.
domingo, dezembro 23, 2007
Xmas
domingo, dezembro 16, 2007
Argumentos pessoais para a «via alternativa»*
«O que tem Obama de novo? Como o próprio Sullivan o diz: His face. A sua cara. A sua miscelânea. O que ela representa. O que esta significa para os inimigos recentes da América. Nascido no Havai, filho de pai queniano e mãe americana, Obama personifica a abertura do ideal americano às preocupações do mundo. A busca de uma vida melhor e, mais importante que tudo isso, a possibilidade de essa vida melhor ser encontrada na América. O país onde até um mestiço pode ser o homem mais poderoso do planeta. Haverá , de acordo com Sullivan, melhor mensagem para um miúdo que viva no Paquistão?»
André Abrantes Amaral, O Observador
*«via alternativa»: em quem votar quando não se vota em Giuliani
André Abrantes Amaral, O Observador
*«via alternativa»: em quem votar quando não se vota em Giuliani
O melhor confronto possível
Byblos
Fui à Byblos e já lá gastei dinheiro. Gostei muito do espaço e, sobretudo, da parte da literatura estrangeira (a portuguesa, de facto, está ainda fraquinha em comparação com muitas livrarias de Lisboa, da «velha guarda»). Fiquei com vontade de lá voltar. Hei-de continuar a ir regularmente, por isso mesmo. E bardamerda para quem acha que é populareco gostar daquela livraria. Nem sempre é preciso cheirar mofo nos livros e nas estantes para se ser um leitor fiel. Acho que a Byblos tem o seu espaço no mundo das livrarias em Portugal.
sábado, dezembro 15, 2007
Doblagens revolucionárias
Os desenhos animados dobrados são a maior parvoíce jamais criada pelo ser humano. É qualquer coisa como pintar sorrisos nas figuras do Guernica do Picasso. Apercebo-me disto no momento em que dou com o facto deste novo filme de animação com abelhas vir a ser dobrado para português. Ora, por duas coisas isto é terrível: primeiro, porque perder a oportunidade de ouvir Seinfeld (mesmo numa situação que não traz grande piada) é torturante para uma criança no futuro; segundo, porque ensina às crianças o dever de «não ler» as legendas, logo condenando-as às telenovelas do Tozé Martinho; terceiro, porque simplesmente trata as crianças como estúpidas.
Veja-se agora um PREC mais apertado no controlo televisivo. Imagine-se, por exemplo, o que seria ver desenhos animados do Tom Sawyer com controlo popular. «Desenhos animados para o povo», justificar-se-ia. É preciso dar ao povo as ferramentas para compreender o mundo e os desenhos animados. E, já agora, que também não custa nada, aproveita-se para reeducá-lo.
Não gostaria de ouvir Tom Sawyer, por exemplo, a convencer os amigos e vizinhos a pintar a cerca da tia Polly porque «o trabalho para bem dos outros dignifica o homem e a sociedade». Já não seria uma cena genial em que o Tom convence os amigos a pintar a cerca (terrível tarefa) enganando-os pela inveja - diz que prefere fazer aquilo a brincar - mas sim uma cena em que Tom realmente prefere trabalhar do que brincar. «Eh Tom, que estás a fazer?» «Estou a pintar a cerca.» «Deve ser muito chato.» «Não. É óptimo e dignificante, como nos ensinou o Camarada Vasco.» «Porque não me disseste isso antes? Dá-me já uma trincha, Tom».
Seria feio, isso sim, ver o tratamento dado a Huckleberry Finn. Huck é um rapaz preguiçoso e sem maneiras. Come e dorme quando pode e quando quer, sem regras mas sempre pela lei da necessidade. Vem de uma família destroçada e, logo, aprendeu a viver segundo as suas próprias regras. Uma boa alma, no fundo. Mas Huck chegaria ao pé do Tom e da cerca e começaria o controlo operário. «Eh Tom, estás a pintar a cerca?» «Claro, o Camarada Vasco quer isto pintado até ao fim do dia.» «Eu não faço isso, vou mas é jogar ao pião». E pronto, tudo está bem quando acaba bem. Huckleberry Finn, no fundo, é a representação de um perfeito reaccionário, afecto a cada um de nós, por razões que variam de pessoa para pessoa. Todos nós somos reaccionários, mas só uma parte escapa ao controlo.
No fundo, é o que se passa com os desenhos animados. Em todos eles, há uma ou outra personagem que, mesmo com as doblagens da década de 70 portuguesa, escaparia ao controle. Caso do Huck, que não deixa levar pelas palavras propagandistas de Tom, claramente alterado pela controleira «tia Polly». Corajosa e louvável atitude que não teria, por exemplo, o rato Pompom, de Dartacão. Rato esquivo e matreiro, rapidamente entregava os Moscãoteiros à PIDE do Cardeal Richelieu. Enfim, atitudes contra-revolucionárias.
terça-feira, dezembro 11, 2007
Às avessas
Portugal estabelece relações de amizade com Putin, Chávez e José Eduardo dos Santos. Dezenas e dezenas de ditadores africanos corruptos juntaram-se em Portugal para dois dias de férias. José Sócrates é primeiro-ministro de Portugal. O melhor jogador português do momento é um cigano. E depois venham-me dizer que Portugal não é um país às avessas.
A vida na aldeia: #1- Segurança pública
As pessoas cruzam-se numa estrada do interior (isto é, do «interior do Portugal profundo») com um carro da GNR e pensam: «lá vem a polícia local». Enganam-se. A GNR é, realmente, uma figura da autoridade fora das cidades, mas não é a polícia local. É mais, digamos, uma espécie de FBI das localidades. O Bureau das vilas. Aliás, a GNR desempenha um papel essencial na resolução dos casos mais bicudos das pequenas localidades - disputas de heranças, roubo de gado, mutilação de santinhos na paróquia -, sempre com grande profissionalismo e postura. Isso ninguém lhes pode negar. Mas não é, de facto, a força de segurança preferida das pessoas.
A força de segurança que mais apela ao comum português da vila/aldeia é outra. Face ao visível afastamento moral entre a Guarda Nacional Republicana e o cidadão honesto, os portugueses manifestam-se escolhendo como polícia preferida não a GNR, a PSP, ou a Securitas. O português sóbrio escolhe, isso sim, o Campino como principal agente para guardar o seu dia-a-dia.
O campino é objecto do mais sincero amor do português da aldeia. Fresco, modesto e trabalhador, o campino mantém a austeridade e o visual dos seus antepassados de gerações e gerações atrás. E as razões estão aí debaixo do nariz, senão veja-se: colete encarnado, mostrando coragem perante o touro mais bravo; bota de montar, claramente pondo a nu o sangue azul dos seus bisavós; camisa branca que nunca suja (Don Johnson no Miami Vice também vestia um fato branco que, mesmo no meio do mais feroz dos tiroteios, nunca se sujava); uma versátil faixa vermelha como cinto que, no Inverno, também serve de cachecol, para proteger o agente prevenido; o barrete verde, que não envergonha nenhum soldado de elite e que, devido às suas parecenças com o barrete do Noddy, convence as crianças da bondade do campino; e, finalmente, o pampilho, pau lutador da maior modernidade, que assume simultaneamente a classe e a virilidade do dito agente da autoridade.
Imagine-se o leitor, por exemplo, em Arruda dos Vinhos. Quereria o leitor ser parado em plena estrada por um GNR barrigudo, de bigode farfalhudo, de botas de montar (nunca percebi para que são precisas botas de montar se a GNR só anda de jipe) e de boné a tombar para a testa? Não me parece. Nem o leitor quer, nem eu quero. Por outro lado, toda a gente gosta de ser advertida por um campino. E normalmente passa-se assim: o campino assobia ao condutor acelerado. E este, apercebendo-se da aproximação de um generoso homem vestido de verde e vermelho, montado num cavalo lusitano, rende-se imediatamente ao seu dever patriótico de abrandar o carro e colaborar com a justiça.
Ninguém resiste à simpatia de um campino. Se na sua vila ainda não foi dada inteira exclusividade da segurança pública ao campino, então é hora de apertar com os vizinhos e fazer correr uma petição pela zona. Por um campino mais próximo do cidadão. Se não é assim que é, então é assim que devia ser.
domingo, dezembro 09, 2007
Frágil
Após busca cuidada, perdido no Bairro Alto, marquei presença no Frágil, no dia 6 de Dezembro (quinta-feira), para a apresentação dos Contos de Algibeira, uma louvada iniciativa de Laís Chaffe e da Casa Verde. Para além da estranha situação de ter Jorge Silva Melo a apresentar um livro onde também participo, a noite valeu a pena para ver algumas caras conhecidas. Tímido como sou, não estive «como peixe na água» em evento tão concorrido, mas tive o prazer de conhecer pessoalmente o Luís Ene (afabilíssimo, mas muito franco ao admitir que eu afinal sou mais gordo do que as fotos revelam) e de reencontrar o Paulo.
Quanto ao livro, ainda não está todo corrido. Mas tenho gostado bastante de alguns textos. Favoritos? Tenho, mas isso fica para mim.
Quanto ao livro, ainda não está todo corrido. Mas tenho gostado bastante de alguns textos. Favoritos? Tenho, mas isso fica para mim.
quarta-feira, dezembro 05, 2007
Lost in translation
Para tentar falar inglês no dia a dia, perdi o hábito de falar em português. Perdi-me no caminho entre as duas línguas. Agora nem inglês, nem português.
Prendas
Em alturas de Natal, chega a decisão importante: o que comprar para os outros, com boa relação qualidade/preço? Importante é que a melhor prenda seja sempre a minha para mim mesmo. Aceitam-se sugestões, claro.
Lançamento reúne minicontos de portugueses e brasileiros
«Uma grande festa organizada por Nuno Costa Santos vai unir a literatura portuguesa e brasileira no próximo dia 6 de dezembro, às 21h30min, no Frágil (Rua da Atalaia, 126 – Bairro Alto - Lisboa). Jorge Silva Melo apresenta o livro Contos de Algibeira, lançamento do selo editorial Casa Verde, do Brasil, organizado pela escritora Laís Chaffe. O livro é o terceiro volume da Série Lilliput, dedicada aos minicontos – os primeiros são Contos de bolso (2005) e Contos de bolsa (2006). A novidade é que Contos de algibeira, além de importantes escritores brasileiros, traz colaborações de 36 autores de Portugal.
Já confirmaram presenças no Frágil os escritores Alexandre Borges, Ana Mendes, Ana Ramalhete, Ana Saramago, Fernando Gomes, João Carlos Silva, João Ventura, Joel Neto, Luís Ene, Maria João Fernandes, Mário Calado Pedro, Paulo Rodrigues Ferreira, Rui Zink, Sara Monteiro. O Brasil estará representado no lançamento por Luciana Veiga e Berenice Sica Lamas. Luciana faz parte do grupo de escritores que integram a Casa Verde, criada em 2004 por Laís Chaffe, com o objetivo de aprofundar discussões literárias e publicar com independência. Os demais autores da Casa são Caco Belmonte, Christina Dias, Filipe Bortolini, Luiz Paulo Faccioli e Marcelo Spalding.»
domingo, dezembro 02, 2007
A tarefa mais importante
Quando o trabalho e a necessidade de dinheiro afastam o homem da escrita, há uma parcela de depressão que se instala. Um homem sabe quando falta fazer alguma coisa. Mesmo quando o dia nos deu um pouco de tudo, sabe-se isto: não se cumpriu a tarefa mais importante, a de juntar palavras.
Inércia
É provável que, em cada dez metros de vida, apenas um metro seja de real existência. E em algumas pessoas a percentagem de criatividade, de «força viva», é ainda mais pequena. Esta tese faz de mim um ser praticamente inanimado.
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